Comércio Delicado
"Ser consumidor e ser cidadão são actos absolutamente compatíveis. Eu acredito que consumir é, aliás, um acto político que praticamos todos os dias. Aquilo que compramos, a quem escolhemos dar o nosso dinheiro, faz mover o mundo. Isto quer dizer que todos temos o pequeno poder de fazer mover o mundo na direcção que queremos, sempre que vamos ao supermercado, por exemplo. Não esqueçamos Gandhi que na sua luta contra os ingleses lançou o movimento swadeshi que promovia, entre outras coisas, a produção e comercialização do algodão indiano em detrimento do algodão importado da potência colonial. Resta-nos saber como queremos que o mundo e mais precisamente o país sejam.
Nas últimas décadas, a massificação tomou conta do comércio. As mesmas lojas e os mesmos produtos em todo lado, sejam marcas de luxo, cadeias internacionais ou franchisings ao metro. Centros comerciais sempre maiores, cercando as cidades e asfixiando o comércio dos centros urbanos, fingindo ruas de luz artificial e promovendo o automóvel como se não existisse amanhã. Grande distribuição cada vez mais extensa e tentacular, açambarcando mais áreas e até nichos de mercado, os grupos empresariais que as detêm cada vez mais fortes e poderosos e, sobretudo, mais omnipotentes e despóticos a vergar e a eliminar quem produz. E sem contemplações com a produção nacional ou sustentável, longe da Av. da Liberdade decorada com fardos de palha para entreter o povo. Será assim que queremos viver? E será assim que poderemos sobreviver, como país?
Eu acredito que existe uma alternativa.
Acredito que um novo comércio não só é possível como indispensável. E que esse novo comércio pode mudar o nosso dia a dia e os lugares onde vivemos, torná-los mais ricos, mais curiosos, mais belos, mais saborosos, mais sentidos, mais prósperos e mais justos. Um novo comércio que atende ao saber e também ao saber fazer, valoriza a manufactura, admite a pequena escala, prefere a qualidade, aprecia a tradição e admira a perfeição. Um novo comércio que vê nos seus fornecedores parceiros, que os considera e os entusiasma, que negoceia justo e com eles constrói uma relação duradoura e de confiança pois compreende que trabalhamos juntos para benefício mútuo e pelo bem comum. Um novo comércio que quer partilhar com o seu público um produto mas também uma história, uma identidade, uma experiência única e diferente que nos enriquece a vida. Um novo comércio que se sente parte do seu local e e da sua comunidade e por isso, sempre que a opção se apresenta prefere o que é português e o mais local possível, evitando custos ambientais de transporte, porque também se sente parte do mundo. Um novo comércio que acredita que se pode comprar menos e melhor, opta por mercadoria útil e durável e sabe que valorizar um produto é a melhor forma de impedir o desperdício.
Um novo comércio que abraça causas sem medo porque é livre e para quem a mais excitante das obrigações é o dever de contribuir para melhorar o nosso mundo – e isso começa em nós.
Um novo comércio que tem o atrevimento de pensar que pode regenerar centros históricos desfalecidos e reiventar lugares esquecidos, se empenha em preservar o património com escrúpulo e desvelo e é capaz de provar que isso é rentável. Um novo comércio que respeita o seu cliente, empenhando-se num serviço atento, oferecendo conhecimento e propondo preços justos. Um novo comércio que acredita na capacidade de produção e na qualidade nacionais por princípio, estimulando uma e outra, porque sem isso não há país que sobreviva - como o momento presente demonstra de forma eloquente.
Um novo comércio que acredita em Portugal também porque percebe o potencial extraordinário da produção delicada nacional, seja na faiança, nos sabonetes, nos vinhos, nos azeites ou na flor de sal, para citar apenas casos óbvios. Um novo comércio que não tem a obsessão de se multiplicar para se tornar omnipresente, antes prefere criar redes, nacionais e internacionais, com parceiros semelhantes reforçando assim os nichos de mercado em que opera numa escala global. Um novo comércio que acredita que olhar para trás também é uma forma de ver o futuro e que a modernidade tem a ver com a atitude e o olhar e não forçosamente com a novidade. A esse novo comércio somos já vários a chamar o comércio delicado. E a provar que ele é não só possível como economicamente viável. Com os pés muito bem assentes na realidade mas sim, com o idealismo à solta, livre como um bando de andorinhas.
Notas finais: Com um agradecimento especial ao Francisco Palma Dias, poeta inventor da expressão “Comércio delicado” que tão bem exemplifica na Companhia das Culturas, turismo com causa em Castro Marim."
Catarina Portas
Diário Económico
Agosto 2011